Uma noite, no Folies-Bergères, um homem se apresentou em seu camarim. Era o marquês de Mo
ntessac, uma estrela da Paris elegante, além de confidente dos oficiais superiores da cidade. Distinto, rico, jogando muito bem seu jogo, o marquês causou forte impressão em Mata Hari, com a qual não tardou a se ligar. Seria ele o rico alemão que a introduziu nos serviços secretos alemães? Seu papel permaneceu muito misterioso, e ele fazia freqüentes viagens. Na volta de uma delas, Mata Hari venderia sua casa de Neuilly, desaparecendo de Paris, em julho de 1914.
Nos primeiros dias de agosto, ela se apresentou no maior cassino de Berlim. Provavelmente, e até certamente, Mata Hari teria sido prevenida da iminência da guerra e convidada a instalar-se na Alemanha. Em todo caso, um fato que ela jamais negou aconteceu: no dia da declaração de guerra, ela almoçava com o chefe de polícia em um restaurante chique de Berlim.Entretanto, ela não ficaria muito tempo por lá. Alguns dias depois do início das hostilidades, voltou à Holanda, passando a viver discretamente em Amsterdã, apesar de fazer muitas viagens a Londres, o que atraiu a atenção do serviço de inteligência britânico, embora nada pudesse ser encontrado que provasse sua atuação como espiã na época.
No início de 1916, voltou a Paris, onde retomaria sua vida de outrora, ligando-se a um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores. O serviço secreto britânico revelou suas suspeitas, e a dançarina era vigiada permanentemente pelos serviços da polícia francesa. Constatou-se que ela, muito regularmente, freqüentava uma casa conhecida por ter duas saídas. A polícia - que negligência - não teve a idéia de verificar quem se instalara no imóvel. Apenas depois do processo, ela soube que um serviço anexo da legação da Holanda tinha estabelecido escritórios ali.Em um dia de agosto de 1916, a espiã suspeita encontrou-se com o capitão chefe da polícia francesa e lhe pediu uma carta de livre trânsito. Ela queria - segundo seu pedido - dedicar-se ao serviço dos oficiais feridos, que convalesciam nos estabelecimentos da estação termal transformados em hospitais. Levando-se em conta que existia, nos arredores próximos da cidade, um grande campo de aviação em construção, o pedido parecia suspeito. Era uma bela ocasião para se dirimir as dúvidas. A permissão foi, naturalmente, concedida, mas, o chefe de polícia, capitão Ladoux, confiou a um jovem lugar-tenente dos dragões, ferido em convalescença, a missão de entrar na intimidade de Mata Hari e vigiá-la. Três meses mais tarde, ela voltou a
Paris, sem recursos e loucamente apaixonada, ao que parecia, por um capitão do exército russo, de nome Maslov, cego durante a guerra, que se tratava em Vittel.Em sua chegada a Paris, foi convidada a se apresentar no escritório de contra-espionagem, onde o capitão Ladoux lhe revelou que as potências aliadas suspeitavam dela, que deveria partir imediatamente para a Holanda, nunca mais voltando à França. Mata Hari protestou e, depois de uma longa conversa, conseguiu permanecer na França, com o compromisso, porém, de se engajar nos serviços secretos franceses.Para colocá-la mais uma vez à prova, Ladoux lhe confiou a missão de ir à Bélgica, mas por Lisboa, "por ser mais seguro", a fim de levar suas instruções a cinco agentes franceses residentes atrás das linhas alemãs. Os nomes eram, evidentemente, falsos, salvo um: o de um agente duplo muito suspeito. Por Lisboa, tinha especificado Ladoux. Ele sabia muito bem o que fazia: para chegar a Lisboa era necessário passar pela Espanha, onde - a coisa era conhecida - pululavam agentes alemães. Como ele tinha previsto, a dançarina - a quem tinham sido destinados magros subsídios - parou em Madri, onde os serviços franceses, alertados, a seguiram bem de perto. Ela fez freqüentes visitas a Von Kalle e Von Krohn, adidos militares da embaixada alemã, e finalmente rumou para Lisboa, com o intuito de chegar à Bélgica.
Durante a viagem, o barco que a levava foi inspecionado por um navio de guerra inglês. Mata Hari, transferida a bordo desse último, desembarcou em Southampton, passando por minuciosa vistoria, e voltou à Espanha, por ordem do capitão Ladoux, que, entrementes, tinha sido informado pelo Intelligence Service de que ela não possuía mais as cinco famosas cartas e que, por outro lado, o agente duplo, cujo endereço aparecia em uma das cartas em questão, tinha sido fuzilado pelos alemães. As suspeitas ganhavam corpo. Mata Hari estava, então, em Madri, sem recursos. Ela bateu à porta da embaixada da Alemanha, insistindo em obter remuneração por conta dos serviços prestados por ela à causa do Reich.Nesse momento aconteceu o episódio capital que permitiu estabelecer a acusação: um radiograma expedido pelo principal quartel alemão à embaixada alemã em Madri dizia, em resumo: "H. 21, excelente agente antes da guerra, nada produziu de sério depois que a guerra foi iniciada. Digam a H. 21 para voltar à França e continuar sua missão. Ele receberá um cheque de 5 mil francos retirado por Kraemer no balcão de descontos".Esse radiograma, captado pela estação da torre Eiffel, foi imediatamente transmitido ao capitão Ladoux e decifrado. A chave do código secreto por meio do qual o adido naval alemão em Madri se comunicava com Berlim já estava desde muito tempo de posse dos franceses.Se, como se acreditava cada vez mais, Mata Hari era de fato o agente H. 21, bastava esperar que ela voltasse à França, já que fora essa a instrução dada por seus chefes alemães.
Foi o que aconteceu: em 5 de janeiro de 1917, a espiã estava de volta a Paris. Sua prisão não foi imediata. Em seu dossiê, nenhuma prova, a não ser o radiograma. Nenhuma carta, nenhum documento escrito, apesar da atenta vigilância. Apenas um cartão postal sem importância fora
encontrado. Levar Mata Hari ao conselho de guerra, nessas condições, faria com que a acusação fosse obrigada a mostrar a prova do radiograma captado, revelando dessa forma que os franceses possuíam o código alemão.
A vigilância não se descuidava dela, mas não conseguiu nenhuma outra informação. Mata Hari, por outro lado, inquieta por ver que o capitão Ladoux evitava recebê-la, pressentindo a catástrofe, insistia em que lhe dessem outra missão no exterior. Por medo de que ela fugisse, a prisão foi, enfim, decidida. Na manhã de 14 de fevereiro de 1917, a polícia cercou o Palace Hotel, onde ela se hospedava. Depois de um primeiro interrogatório, no serviço francês de contra-espionagem, ela foi encarcerada na prisão de mulheres Saint-Lazare. A instrução foi bastante longa. A procura por uma prova escrita, além do radiograma interceptado, continuava. Mas era necessário parar com os interrogatórios. O processo foi aberto em 24 de julho de 1917 diante do 3o conselho de guerra de Paris. Mata Hari reconheceu ter se encontrado com o chefe de polícia de Berlim no dia da declaração de guerra. A isso, o presidente do conselho de guerra declarou: "A senhora entrou, em seguida a serviço do chefe de espionagem alemão, que a encarregou de uma missão em Paris, dando-lhe 30 mil marcos e o nome de H. 21".A dançarina não se intimidou: "É verdade. Eu recebi um nome de batismo e 30 mil marcos para me corresponder com meu amigo. Mas esses 30 mil marcos não eram um salário de espiã e sim um presente". À pergunta: "A senhora foi ao front de batalha, onde permaneceu por sete meses, sob pretexto de estar servindo a um ambulatório em Vittel", ela precisou: "É verdade. Eu queria, permanecendo em Vittel, onde eu não era enfermeira, me dedicar a um pobre capitão russo, o capitão Maslov, que tinha ficado cego. Eu queria pagar por minha vida fácil, consagrando-me ao alívio da doença de um infeliz oficial, a quem amava. Ele foi, na realidade, o único homem que eu realmente amei".Um primeiro golpe direto lhe foi desferido pela acusação: convidada a dar detalhes sobre sua atividade a serviço da França, Mata Hari teria fornecido informações sobre os pontos da costa do Marrocos espanhol onde os submarinos alemães faziam escala.Então, ela fez a seguinte réplica: "De onde vieram essas informações? Se elas eram exatas, é porque os senhores tiveram relações diretas com o inimigo; se elas eram falsas, os senhores nos enganaram!"Enfim, o coronel que presidia o conselho de guerra, revelou a prova do famoso radiograma de Madri. Imediatamente, ela "explicou" os motivos da soma que lhe fora ofertada e respondeu, imperturbável: "É absolutamente exato. O lugar-tenente Von Krohn achou que era mais cômodo me presentear com dinheiro do governo alemão do que com seu próprio dinheiro".Apesar da bela defesa, que argumentou que tudo o que fora apresentado contra a acusada era apenas um conjunto de declarações de agentes dos serviços secretos ou de atas de sessão de polícia, o tribunal seguiu a orientação do comissário do governo, que pediu a pena de morte. Depois de dez minutos de deliberações, a sentença foi proferida: por unanimidade, Mata Hari foi condenada ao fuzilamento.Na manhã de 15 de outubro de 1917, data estabelecida para a execução, ela foi levada para a cidade de Vincennes. Em um silêncio impressionante, Mata Hari desceu do carro, tomando o braço de irmã Léonide, ajudando-a a descer. Chegando perto do poste de execução, dizem que separou-se bruscamente da freira, dizendo: "Beije-me rápido e me deixe agora. Coloque-se à minha direita. Eu olharei para o seu lado. Adeus!"Enquanto um oficial lia seu jul
gamento, a dançarina, que se recusara a vendar os olhos colocou-se diante do poste. Uma corda foi passada em sua cintura, sem nenhum nó. O pelotão de execução, composto de 12 caçadores comandados por um aspirante, se colocou em frente a ela, a dez metros de distância. Mata Hari sorriu pela última vez à irmã Léonide, ajoelhada, e fez-lhe um gesto de adeus.Uma só detonação para os 12 tiros, seguida de outra. As trombetas soaram. As tropas desfilaram. O médico legista se aproximou e confirmou o óbito. Ninguém reclamaria seu corpo. Depois de um simulacro de exumação, os restos de Mata Hari foram entregues à faculdade para ser dissecados.